Dizem que Simplório, quando se casou ,de tão puro, comprou um berço,
colocou em um dos quartos da casa e ficou esperando a cegonha trazer o bebê, durante
anos.
Morreu à espera do filho que nunca veio e zangado com a referida ave.
Esta história me foi contada por um sobrinho dele, há pouco tempo.
Simplório tinha uma loja: a maior bagunça e confusão que se podia imaginar.
Acho que não vendia muito. Tinha uma carinha de santo. Havia um quadro de
Jesus Cristo na parede de nossa sala que eu sempre olhava e me lembrava dele.
Mas não era atirado, nunca ia à luta e nunca enriqueceu. Sua riqueza era outra…
Quando o assunto era religião, aí, animava-se.
Em todas as procissões estava comandando. Nessa hora, vinha-lhe, do Espírito
Santo, provavelmente, o espírito de liderança. E ia à frente, organizando as pessoas
em filas, abrindo passagem para o andor e dizendo, entre outras coisas:
- Abram alas!!! Abram alas!!!
No serviço de Deus, sentia-se importante.
Um dia, houve uma confraternização no Colégio Santa Úrsula, entre os membros
da entidade religiosa à qual ele pertencia. Cada família deveria levar um doce ou
um salgadinho e algum refrigerante. Simplório, que era diabético, levou dois pratinhos
com um pão preto, horrível e insípido, feito em casa, que os portadores desta
enfermidade usavam comer. E no meio de tantos doces e salgados gostosos, indaguei
a meu pai o que era aquilo:
- Comida de outro planeta? Há algum marciano por aqui, papai?
Em 1959 ,morreu no Líbano, o último e o mais querido dos tios paternos de
meu pai, Antônio Gannam. Ele vivera no Brasil anteriormente por cerca de 15 anos.
Muito triste, meu pai mandou rezar uma missa de trigésimo dia e convidou a
todos os patrícios e conhecidos. Fez aqueles convites preto e branco que se usavam
mandar pelo correio e que até hoje costumo ver pregados em postes em algumas
cidades, como Petrópolis.
Simplório, solícito, amigo, patrício, estava presente.
Na hora dos pêsames, ele quis falar em árabe e foi de um a um, cumprimentando
os parentes de tio Antônio, falando o seguinte, naquela língua:
- “ Deime… Deime… Deime…”
Quem entendia árabe olhava assustado para ele. Na confusão e emoção da
missa, ele trocara as palavras e em vez de usar as palavras apropriadas para a ocasião,
estava dizendo a todos mais ou menos o seguinte:
-Estava ótimo, estou muito feliz, que esta ocasião se repita ainda por muitas
vezes, muito obrigado.
Foi ele uma das pessoas mais puras com quem tive contato em minha vida.
Poderia citar muitos outros acontecimentos. No entanto, a mais antiga lembrança que
tenho dele, é do único momento em que necessitei de que ele fosse criança como eu
era e ele não foi:
Final de 1953. Mamãe estava no Rio, onde daria à luz o sétimo filho. Eu já
não aguentava mais de saudades. Um dia, combinei com minha irmã e com uma
prima, que fugiríamos, a pé para encontrá-la. Arrumamos nossas coisas, pegamos
nosso dinheiro (quanto!) – umas moedinhas de centavos – que foi colocado num
bercinho pequeno, de brinquedo que minha irmã tinha e fomos embora. Depois de
andarmos uns seis quarteirões, dirigindo-nos à Federal, passamos por sua loja e lá
estava ele, na porta. Imediatamente indagou-nos onde estávamos indo. E eu, na certeza
de que ele era uma criança pura como a gente, respondi:
- Ah Simplório! N ão aguentamos mais de saudades da mamãe. Estamos viajando
para o Rio, a pé, para encontrá-la.
Fazendo uma expressão de preocupado que nunca vira nele, antes, tomou
imediatamente o telefone e ligou para o papai, falando em árabe. E mandou-nos de
volta para casa, dizendo que tinha pedido a ele que não nos batesse ou castigasse.
Seu coração, positivamente, não suportaria a dor de ter-nos feito algum mal.
(Que bom seria se, hoje, adulto, houvesse alguma maneira de ir ao encontro
de minha mãe em todos os momentos de saudade. Se assim fosse, eu viveria indo
ao encontro dela, a cada minuto que passa…)