DEZEMBRO/1953-MEMÓRIAS DE UMA VIAGEM A LAVRAS

(Apesar de eu ter uma memória sempre elogiável, são lembranças esmaecidas, foi uma passagem muito rápida pela cidade, mas gostaria de deixar relatado, pode ter sim, alguma imprecisão, mas a essência, acho que está certa. Eu tinha apenas seis anos).

Em novembro daquele ano, minha mãe fora para o Rio, a fim de dar à luz o sexto rebento. Era uma gravidez de alto risco e além disso ela era de lá e ficaria perto da mãe. Alguns de meus irmãos foram juntos, o que gerou uma reclamação minha, pois gostaria de ter ido. Infelizmente o bebê faleceu três dias depois do nascimento e lá foi sepultado.

Ao voltar, meu pai me fez uma promessa:

— Filho, você sabe que estou construindo umas lojas em Lavras, e vou lá de vez em quando. Na próxima ida eu te levo comigo.

Valeu como um “prêmio de consolação” pois o que eu queria mesmo era ver minha avó e meus tios, que mal conhecia.

E a oportunidade surgiu nos primeiros dias de dezembro daquele ano.

A viagem era de trem e demorava, havia baldeação em Três Corações onde tomávamos a composição que ia para Belo Horizonte. Demorava muito. Para se ter uma ideia, daqui de São Lourenço até a capital mineira, eram 24 horas. Pode isso? Mas eram viagens românticas, bonitas, apesar do desconforto. Penso que naquele tempo as pessoas eram menos exigentes em relação a isso.

Lembro-me e de que na viagem, perguntava a meu pai se “todos” os filhos de seu compadre Abraão Cury — que era da mesma cidade que ele, no Líbano e que viera no mesmo navio, mas os dois não sabiam, só se encontraram na viagem, chegaram ao Porto do Rio no dia 14 de agosto de 1922 — trabalhavam na loja:

— Como assim, “todos”? Ele tem apenas dois, a Adélia e o Elias, que trabalham com ele.

Penso que eu misturava com sobrinhos dele que eu conhecia, pois frequentemente estavam em São Lourenço.

Eu achei que a estação ferroviária era longe do centro, nem sei se era mesmo.

Fomos para o Hotel Central. Penso que era completamente diferente do que foi depois e do hotel que o sucedeu. Eu imagino que havia uma pequena escada com um murinho, para se chegar lá. Servia café, almoço e jantar. Na janta, papai reclamou que a carne ensopada estava muito engordurada. Foi o primeiro hotel em que me hospedei na vida, já que quando fui batizado no Rio, em 1947, fiquei no Hotel Regina, no Flamengo, mas certamente não me lembro.

Minhas impressões foram de que a iluminação da cidade era muito precária. De que havia muitos mendigos na cidade, mais que em minha terra.

Surpreendi-me quando vi o transporte por bonde que acredito que subia e descia a Francisco Salles.

Dentre as atividades programadas, fomos visitar as obras das lojas que ele construía na Rua Santana. Penso que na esquina, anexo, havia o prédio da Panificação Lavrense, que também era dele. Andei na laje, tiramos fotos. Infelizmente essas fotos não ficaram comigo, ao contrário de dezenas de outras e não sei aonde foram parar. Ah, como eu gostaria de tê-las! Havia o plano de um dia fazer um segundo andar ali, o que jamais foi feito.

Um dos que alugaram a padaria morreria assassinado no final dos anos 60.

Quando elas estavam alugadas, a única que eu lembro do que era, chamava-se Foto Guimarães.

Um dia, cerca de quatro anos depois, papai chegou de Lavras trazendo uma vitrola e mais alguns discos e outras coisas. Foi a primeira vitrola que vimos. Perguntamos o porquê de trazer aquilo e ele disse que ficara com pena de um inquilino que não estava pagando e propôs dar mercadoria da loja e ele aceitou.

O engenheiro responsável pela construção era José Unes, penso que era patrício. Fomos à sua casa, acho que tinha dois pisos e passava a linha de trem perto. Foi servido um cafezinho, não me lembro se mais alguma coisa. Mas, repito, nada disso tenho certeza.

Lembro-me de que quando chegamos à casa/loja de Abraão Cury, fiquei envergonhado e me escondia atrás de meu pai. Depois “me soltei” e fui ver os coelhos que criavam no quintal. Dona Uadhia serviu raha (aquele doce libanês que parece bala de goma). Parece que havia formiguinhas na caixa e ela sacudiu… também nos deu bala de amêndoa e não sei se mais alguma coisa.

Tal loja se chamava A Jovem Brasileira, era do lado direito de quem subia a Francisco Salles. Penso que não era longe da casa de Alice Murad Haddad (avó paterna de Hélio Haddad e materna de André Márcio Murad e irmã de minha avó, Uadhia). Aliás, de noite fomos visitar tia Alice. Era num sobrado. Parece que havia uma construção ao lado, eu me lembro de mourões ali. E chovia. Papai chamou por alguém lá de baixo e abriram a porta. Não me lembro de mais nada dessa visita.

Fomos às diversas lojas de parentes que havia naquela avenida, mas não me lembro de detalhes de nenhum outro lugar.

Penso que tudo isso durou apenas um dia, mas infelizmente não me recordo de nada mais.

Espero ter feito os lavrenses viajarem no tempo…

(Maurício Mansur sempre vinha a São Lourenço e insistia para que papai vendesse as lojas para ele, mas não conseguia. Um dia, em 1961, chegou à loja mais uma vez com uma tentativa. Papai respondeu:
— Se você fizer um cheque de três milhões de cruzeiros “agora” — era um preço que ele não imaginou que o Maurício daria — eu lhe vendo.
E o cheque foi feito.
Minha avó reclamou muito, não queria que meu pai vendesse por preço algum.

A Panificação não foi incluída nessa venda. Cerca de 10 anos depois papai a venderia para um dos irmãos de Dulcídio Siqueira Costa (que era esposo de minha prima Maria do Céo). Não me lembro do preço nem de detalhes.
E assim terminou o assunto Nacle Gannam/imóveis em Lavras)

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