É TEMPO DE DAR UM BALANÇO (45 ANOS DEPOIS)

Quando entrei pela primeira vez na saudosa e singela sala número 207 do Edifício Agulhas Negras, situado na Praça da Bandeira, número 8, em Resende, era dominado por um sentimento de expectativa em relação ao futuro.

— Quem viria se consultar com aquele jovem desconhecido?

Não tinha dinheiro algum. O resto do que juntara de empregos no Rio fora consumido comprando um carro e montando o consultório. Teria despesas no final do mês. Não existiam convênios como hoje e eu não tinha empregos.

Animava-me ter noção de que sempre fora aplicado nos estudos de minhas especialidades.

Naqueles primeiros tempos, confesso que pensava muito no dinheiro que queria e teria que ganhar, já que não tinha nada.

Com o tempo, mudei minha maneira de pensar e depois de 45 anos concluí que o mais importante de tudo não foi o que ganhei, mas foi ter ajudado às pessoas em seus sofrimentos, tanto físicos quanto espirituais.

Em muitos momentos fui o psiquiatra ou orientador espiritual para os que precisavam mais e marcava horários extras, sem haver cobrança, para tentar ajudá-los.

E logo no princípio, tive um número razoável de pacientes, que foi aumentando pouco a pouco. Eram mandados por médicos de lá, pelo anúncio que fizera no saudoso Jornal A Lira, em que cheguei a escrever, tanto assuntos médicos como outros.

Não foi preciso não ter aberto o consultório na minguante, como alguns sugeriram. Nem acredito que os caroços de romã que me foram dados por um tio, para que dessem sorte e que guardei numa caixinha em minha gaveta foram o motivo disso.

O grande motivo foi minha vontade de vencer e a maneira com que tratei a meus pacientes desde sempre. Esse tratar bem não era no intuito de conquistá-los, mas simplesmente porque sempre fui assim com todas as pessoas, mesmo com meu jeito de falar alto e incisivo, que às vezes assusta e deve ter assustado a muita gente, ao longo dos anos.

No ano seguinte, resolvi abrir o consultório de São Lourenço, já que quando vinha passar os finais de semana aqui, era procurado em casa para dar consultas.

Era o dia 4 de abril de 1975, quando inaugurei o consultório da Rua Quinze de Novembro, 45, primeiro andar. Também desde o começo tive um bom número de pacientes. Alguns que iam a Resende passaram a se tratar aqui.

Em 31 de agosto de 1977, com imensa dor no coração, encerrei minhas atividades na saudosa cidade do Sul fluminense. Ouvi protestos de colegas, pacientes e amigos de lá, mas queria viver em minha terra. Se um consultório dava para eu viver, para que ficar viajando tanto no intuito de ganhar mais? Isso teria sentido?

No fundo, acho que poderia ter ficado lá mais algum tempo, mas não me arrependo. Eu amei aquele povo e as amizades lá feitas e das quais nunca me esqueci.

E o consultório de São Lourenço foi progredindo cada vez mais e mudou de local mais duas vezes. O que mais me marcou foi o da Melo Viana 189 (depois mudado pela prefeitura para 191, não me lembro por quê). Foi o consultório de minha vida.

Gente, vocês não têm ideia do quanto tive de pacientes! Nem eu acredito! No final de 1999, estava fazendo a estatística das cidades e estados de onde vinham e havia passado de 300 e de 17 estados, quando a enchente levou tudo e não pude concluir.
Eram de locais muito longe. Muitas cidades de Santa Catarina: Lajes, Blumenau, Brusque, Joinville, Florianópolis. E também de Rio Grande do Sul, Paraná (Chopinzinho, Londrina, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa) Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal, Amazonas, Acre.

Grande parte das cidades era mesmo de Minas Gerais e muitas, distantes: Unaí, Ibiá, Araxá, Iguatama, Iturama, Guapé, Uberaba, Uberlândia, Nazareno, Ijaci, São Gotardo, Viçosa, etc.

Aos sábados pela manhã faziam aquela fila de carros dos dois lados da Melo Viana, com placas das mais variadas cidades. Houve época de 200 pacientes de Lavras, por exemplo. Contavam que as mães chegavam na praça com seus bebês e se indagavam:

— Quem vai no Dr. Filipe, hoje?

Houve vans de várias cidades que fechavam as tardes de atendimento. A mais marcante dessas foi Elói Mendes.

Para mim foi o máximo da realização. Eu fui vendo pouco a pouco que tudo valeu a pena, especialmente porque a grande maioria dos pacientes saiu feliz. Reconheço que uma ou outra vez os decepcionei, mas, em muitos casos, porque suas doenças não tinham cura.

Nunca enganei ou menti para ninguém no intuito de ganhar mais dinheiro. Sempre tive minha consciência tranquila. Não os induzi a fazerem vacinas ou testes, quando não havia necessidade. Sempre falei a verdade como é de meu feitio. Se houve um defeito que não tive — apesar de ter tido vários — certamente não foi o de mentir ou burlar. Tudo o que pratiquei na medicina foi de maneira consciente e baseado no que eu sabia. Não se pode usar a confiança que os outros depositam na gente para praticar atos ilícitos.

Hoje quando lanço os olhos para o passado e penso nesses 45 anos, agradeço primeiro a Deus, por ter me dado o sucesso profissional com quem nem nos melhores sonhos eu imaginava. Depois agradeço imensamente a todos os que confiaram em mim.

E quero dizer que amei e amo profundamente a no mínimo 90% de meus pacientes e ex-pacientes. Vcs me ajudaram a ser feliz. O restante, 5% me foram indiferentes e outros 5% se não cheguei a amar, também não se pode dizer que os odiei, longe disso.

Tenho dado o melhor de mim, procurado sempre aperfeiçoar meus conhecimentos, porque acho que quem confia na gente merece. Acredito que resolvi os problemas da grande maioria de quem me procurou.

Escrito há 3 anos

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